quinta-feira, 18 de agosto de 2016

ANIMAIS IMAGINÁRIOS



A imaginação é uma das maiores potencialidades que temos, é através dela que geramos hipóteses mágicas e libertas do senso comum, nos distanciamos do que está posto e abrimos o portal para o mundo da novidade.
A fantasia dos contos de fadas é fundamental para que as crianças se desenvolvam em termos sentimentais, emocionais e, ainda aprendam a lidar com as sensações que captam do mundo. As crianças entendem bem a linguagem dos símbolos, elas que inventam no seu dia-a-dia o jogo do “faz de conta e criam um novo mundo cheio de seres míticos, fadas, bruxas, duendes, unicórnios, dragões. E para nós?!
A medida que foi lendo os seres citados acima, imagens mentais foram se formando, até porque mesmo que eles “não existam” habitam nosso imaginário desde a infância. São as imagens mentais que usamos para criação em design. O nosso mundo imaginário é como um repolho, as camadas externas são como os fragmentos do quotidiano que impede a imaginação de fluir, mas a cada camada de imagens prontas do dia a dia que tiramos como as pétalas do repolho, alcançamos o núcleo imaginativo dentro de nós.
É a nossa vez de criar novos seres imaginários.

É com esse núcleo que conseguimos corporificar nossa imaginação.
Curiosidade: O Making of do personagem Fauno do filme O Labirintodo Fauno

Alguns criadores de animais imaginários:

1. A estranha taxidermia de Enrique Gomez de Molina

"O taxidermista norte-americano Enrique Gomez de Molina tem uma visão um tanto peculiar sobre seu trabalho. Entusiasmado pela possibilidade de criar coisas novas, ele dedicou os últimos anos de sua carreira a realmente abraçar essa fantasia e desafiar a própria natureza. Como um Dr. Frankenstein contemporâneo, junta partes dos animais mais inusitados para montar criaturas jamais vistas – e que parecem até vivas."
Ver mais em: http://www.afronte.com.br/estranha-taxidermia-de-enrique-gomez-de-molina/

2. Redmer Hoekstra


"O ilustrador Redmer Hoekstra tem uma imaginação bem fértil e um talento incrível. Os desenhos dele nos dão a sensação de que acabaram de sair de um sonho ou de um mundo bizarro. Um elefante com uma mulher no lugar da tromba e um rinoceronte que é na verdade um navio são alguns dos personagens surreais dos desenhos do artista. As ilustrações são muito detalhadas e com referências irônicas de um mundo contemporâneo. As criações de Hoekstra são ao mesmo tempo perturbadoras e brilhantes. Confira em http://www.zupi.com.br/os-desenhos-surreais-de-redmer-hoekstra/
Ver mais em: http://www.redmerhoekstra.nl/

3. zoologia walmor correa

"Quando criança, Walmor Correa passava as tardes a observar os animais que viviam no bosque defronte de sua casa. Na sua imaginação, a toca do tatu e o ninho do passarinho uniam-se em algum lugar, nas entranhas da terra ou da árvore, e o passarinho, passando da toca ao ninho, se transformava em tatu para sair andando. Outros caminhos escondidos levavam até o mar, e o tatu e o passarinho podiam transformar-se, a seu bel-prazer, em golfinho, caranguejo, gaivota… As mutações das quais nascem os animais que povoam o bestiário em que o artista trabalha pacientemente há alguns anos descendem diretamente daquelas fantasias infantis, mas baseiam-se num estudo prolongado e numa precisão quase científica."
Ver mais: http://www.walmorcorrea.com.br/



BANCO DE DADOS PARA COLAGEM


O banco de imagens pode ser considerado um caldeirão de estímulos geradores para as rotas do inconsciente. É um interessante e produtivo garimpo, pois, de uma só imagem, podemos retirar ou inserir segmentos. Das combinações saem novas imagens criando novos significados em outras possibilidades de configuração simbólica. ”. (Philippini , 2009). 
Um banco de imagens deve ser organizado com atenção e renovado continuamente.  Eles são formados de recortes de imagens de jornais, revistas, papéis coloridos, embalagens diversas.
Outros materiais podem ser utilizados como imagem: tecidos, folhas, flores, peças, objetos.
Existem colagens com as mais variadas técnicas e materiais, usar referências para expandir sua capacidade e variedade de técnicas é essencial para formação repertório criativo.
Use o Pinterest e catalogue exemplos de colagens para sua inspiração. Ouse nos materiais, na forma e na composição.

Alguns exemplos de de artistas e suas formas de entender o mundo através das colagens.



Face the Foliage é um projeto lindo da designer norte-americana Justina Blakeney. Utilizando apenas flores e plantas, ela compõe personagens incríveis, cheios de expressão e sentimento. Justina passou a compartilhar seus retratos floridos no Instagram (@justinablakeney) utilizando a hashtag #facethefoliage. O projeto encantou um monte de gente, que se apaixonou pela ideia e resolveu fazer o mesmo. Abaixo, os personagens criados por Justina

2. Travis Bedel
Estilete, cola e livros de anatomia e botânica. Estes podiam ser apenas itens de um trabalho de ciências da escola. Mas na verdade são as ferramentas utilizadas pelo artista norte-americano Travis Bedel.

3. Francisca Pageo. 


Minimalismo e poesia marcam o belo trabalho da artista e designer espanhola Francisca Pageo. Suas colagens são incríveis, sempre com cores muito bem selecionadas e composições impecáveis


Em suas colagens, sempre bem elaboradas e carregadas de informação, Honarvar busca mostrar a beleza que existe no lado mais obscuro da natureza humana, misturando o belo e o grotesco. Animais, flores e pedras preciosas compõem com órgãos ensanguentados, cicatrizes, pessoas deformadas de guerra e até cadáveres. As imagens que escolhi para este post são as minhas preferidas, mas não são as mais impactantes e que melhor traduzem a proposta artística de Honarvar.



Papel, tesoura, cola e um incrível talento para composições são as ferramentas que a artista americana Beth Hoeckel utiliza para criar suas colagens. As peças são tão bem executadas que eu tive a certeza que eram montadas digitalmente, mas me enganei. As colagens são todas feitas a mão com recortes de livros e revista antigas, a maioria das décadas de 60 e 70. Massa!

6. Eugenia Loli 

A artista grega Eugenia Loli manipula digitalmente fotos antigas para criar colagens com tons vagamente escuros. Atualmente vivendo na Califórnia, Loli atingiu vários fãs leais através de seu site no Tumblr, mas ao mesmo tempo, apresenta uma profundidade em seu trabalho, que se traduz em impressões tangíveis e peças fora do mundo virtual.
Inspirada pelo surrealismo, as obras apresentam um sentido de intriga ao ser visualmente agradáveis.

7. Franz Falckenhaus


Interessado em fotografias, colagens e cinema, o artista polaco Franz Falckenhaus é detalhista em cada uma de suas obras. Misturando ilustrações, recortes e fotografias, ele cria pequenas histórias, remetendo sempre ao vintage.

COLAGEM


A colagem, derivada da palavra francesa “coller”, ganhou popularidade no início do século XX, e é definida como uma composição artística feita de vários materiais (papel, pano ou madeira) colados em uma superfície. A sua representação como forma de arte apareceu primeiramente nos trabalhos de Georges Braque no início do século XX. A obra Still life with fruit bowl and glass (1912) é geralmente considerada a primeira papier collé (papel colado). Imediatamente Picasso começa a apropriar-se da técnica e eles passam os dois anos seguintes a experimentar com todos os tipos de materiais.
Still life with fruit bowl and glass (1912) 
Depois dele muitos artistas fizeram uso da colagem para se expressar. Os futuristas atribuíram uma forma mais dinâmica dando espaço para a sensação de movimento e cores contrastantes. A obra de Carlo Carrà Manifesto for Intervention (1914) é um bom exemplo dessa abordagem.


A lista da utilização da colagem na arte moderna é enorme, já que ela permeou movimentos artísticos como o cubismo, surrealismo, dadaísmo, futurismo, fluxus, pop art entre outras. 
A pop art foi um movimento importante para a virada da utilização da colagem e para a relação posterior da mesma com o design gráfico. Uma das suas principais características era a crítica sarcástica que fazia a sociedade, por meio dos objetos de consumo.
A publicidade, as ilustrações e a banda desenhada eram frequentemente utilizados como inspiração. 
O consumo se tornou uma unidade de medida de sucesso financeiro e bem-estar psicológico e os artistas como Andy Warhol, Roy Lichtenstein e Richard Hamilton usavam isso para dialogar na sociedade que estavam inseridos.
A colagem contemporânea, reúne as mais diversas formas de expressão gráfica, numa amostra ampla e ecléctica do panorama atual, influenciadas pelos modos tradicionais (como a colagem) e ao mesmo tempo, lançando-se na exploração de novas formas e ferramentas expressivas criadas pela sociedade da informação e pelos novos meios digitais. 
Ela apresenta-se assim como uma técnica atemporal que utiliza-se de recortes do que já foi e torna-se um novo registro que costura o presente, o passado e o futuro.
A colagem é um meio extremamente adequado de canalização e processamento do mundo à nossa volta e encontra-se num lugar privilegiado entre expressões e saídas necessárias.







terça-feira, 2 de julho de 2013

O QUE É O PIÃO DE IDEIAS?


O Pião de Ideias é um grupo experimental em criatividade que dará início às suas atividades dia 30 de abril de 2013 para converter o conteúdo expressivo latente na expressão subjetiva em comunicação objetivada. "O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar."(OSTROWER, 1977).
 
Partiremos da renovação constante do potencial criador. Da criatividade como força crescente que se reabastece nos próprios processos através dos quais realiza, no ato de fazer. Por isso um grupo de experimentação prática. O pensar só poderá tornar-se imaginativo através da concretização e materialização sem o que não passaria de um divagar descompromissado, sem rumo e sem finalidade.
Essa materialização da imaginação criativa está longe de ser a materialização de um produto, ou execução de uma tarefa, trata-se de formas significativas onde o conteúdo expressivo da subjetividade se torna passível de comunicação.
 
Assuntos abordados:
Imaginação específica, Materialidade, Linguagem, Elaboração, Ampliação do Imaginar, Formar e transformar. Todos os assuntos tendo como referência o livro Criatividade e processos de criação de Fayga Ostrower.
 
Todas as atividades serão prático-reflexivas, para isto todos os encontros serão filmados e fotografados pela organização do grupo de experimentação.
 
Os materiais utilizados serão por conta dos participantes que poderá ser comprado coletivo ou individualmente.
 
Na ficha de inscrição você encontrará  informações sobre as condições para participar do grupo.
Leia com atenção e só depois submeta sua inscrição.
 
Lembrando que só serão selecionados 12 participantes para esta etapa do projeto.
 

domingo, 12 de maio de 2013

O ESPAÇO DO CAOS




“É preciso alimentar o caos dentro de si,
 para dar à luz uma estrela cintilante.”
Friedrich Nietzsche, Assim falou Zaratustra 


O caos é associado a um estado desorganizado de matéria primordial anterior à criação de formas distintas e ordenadas. Que fique claro que estamos falando do espaço, não somente físico, mas espaço de energia  e atmosfera que incita a criatividade. Onde a burocracia e as regras inibidoras foram banidas, onde existe um fluxo contínuo de novas ideias,  que permitem um trabalho divertido e inspirador. O caos se torna matéria prima para o processo de criação.
Os pensamentos desconexos são prioritariamente valorizados e estimulados. É um espaço que se constitui nas dúvidas e incertezas do mais íntimo de nosso ser. Nossos conflitos internos, podem perambular de forma criativa e desnuda de conceitos e pré-conceitos estabelecidos.  No começo esse espaço parece ridículo e as propostas tolas, justamente por chegarem tão perto do nosso esconde-esconde diário no que tange à sociedade. É quase impossível a liberação espontânea de palavras que emergem do nosso lugar secreto, porque sempre nos habituamos a pensar no que o ser social exige de nós antes de falarmos; e quando isso nos é permitido, ficamos, a princípio, perdidos e buscando certo e errado dentro do processo criativo. 
A angústia toma conta de nós e primeiro pensamento é que não somos capazes de ser criativos. Realmente não temos essa capacidade, se tomarmos a criatividade como um Santo Graal, o que realmente não é. Olhamos novamente para o outro, queremos ser valorizados e reconhecidos pelo meio, e não nos permitimos, olhar para dentro de nós e de lá emergir ideias soltas e desconexas, não deixamos nosso caos vir a tona. 
Ao mesmo tempo que nos abrimos ao novo e o absorvemos, também espontaneamente o estruturamos. Os processos de descoberta são sempre processos seletivos de estruturação. Nossa abertura é complementada por delimitações interiores sem as quais nos desorientaríamos perante um mundo em contínuo desdobramento. Ao configurarmos o novo, o relacionamos a nós; organizamo-lo em função de nós, em função de nossas delimitações. Ainda que as delimitações sejam flexíveis, podendo estender-se junto às áreas novas da experiência, essas delimitações tem que estar presentes e funcionar em caráter de divisa, circunscrevendo e abrangendo os fenômenos, já para garantir ao menos sua percepção. Sem a capacidade de delimitar, lembramos, não seria possível ao ser humano compreender, ou imaginar, ou sequer perceber. (OSTROWER, 2004, p. 151)

Temos medo de não dar conta do que parte de nós mesmos, e quando isso nos é exigido neste espaço, sofremos, tentamos não fazer parte, não mergulhar nessa aparente loucura caótica defendendo nosso “ status quo”. Mas  a  necessidade de criar, esse impulso elementar, essa força vital nos empurra para o “buraco de Alice”[1]



Nesse próximo encontro, vamos cair no buraco.

[1] Referindo-se ao clássico Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll, de 1865.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

DESATANDO OS NÓS DO PROCESSO CRIATIVO



“Os processos de criação ocorrem no âmbito da intuição. As diversas opções e decisões que surgem no trabalho e que determinam a configuração em vias de ser criada, não se reduzem a operações dirigidas pelo conhecimento consciente.” (FAYGA, 2004).
Quando tomar decisões no trabalho? O que fazer? Como fazer? Será que vai ficar bom? E se estragar tudo? Será que o que eu acho que é bom, é bom mesmo ou só eu que acho?
Os processos intuitivos só se tornam conscientes a medida que expressamos, que lhes damos uma forma. A forma que damos a esse processo não pode ser finita, está em transformação assim como nós criadores. A percepção de si mesmo dentro do agir é um aspecto relevante que distingue a criatividade humana. Existe a necessidade do fazer, do experimentar. Do permitir-se.
A criatividade vai se manifestar e o trabalho vai evoluir quando houver permissão para o fazer. O responsável por tal permissão é o sujeito criador envolvido em seu processo. Nas palavras de Charles Watson, “...durante um tempo, você sentiu um bloqueio em seu trabalho. É como se, dirigindo, percebesse que há algo de errado no carro, sem identificar qual é o problema. Até se dar conta que o freio de mão estava puxado. Nesse momento, solta o freio e tem um alívio, o carro deslancha” (NACCACHE, 2013) e o trabalho flui.

Essencialmente, porém, no cerne da criação está nossa capacidade de nos comunicarmos através das formas. “A forma converte a expressão subjetiva em comunicação objetivada.” (OSTROWER, 2004). O trabalho flui à medida que ordenamos a expressão subjetiva e conseguimos comunicar através de algo materializado que deixa o campo das ideias e passa a existir no mundo físico e simbólico. O processo criativo como uma série de ordenações e compromissos internos e externos onde as possibilidades se tornam reais. As questões se configuram e apresentam uma nova forma, e é neste exato momento que surgem novas possibilidades. Essa forma de ver o pensamento criativo em constante evolução que se regenera por si mesmo abre caminhos para a evolução do trabalho.
Cada decisão, que se toma representa um ponto de partida, num processo de transformação que está sempre recriando o impulso que o criou.

“Quando uma pessoa tem muita convicção do resultado, deve doer mais. Agora, quando está aberta a surpresas, a andar por novos caminhos, fica tudo mais tranquilo. Há pessoas que tem certezas enraizadas. Para elas, deve ser difícil, realmente. Interessante é ser bem maleável como o ar. Porque no trabalho é preciso ir se acomodando com o que muda” (Jum Nakao).

“Então, a questão era conseguir enxergar em outra escala, ver talvez de cabeça para baixo. Quando a gente é criança, é comum pegar uma garrafa e fazer dela um caleidoscópio, por exemplo. Gostamos de ver possibilidades diferentes. Assim ocorre uma ‘sacação’, mas é preciso não ter tanta certeza. (Fernando Campana).

É neste rodamoinho de incertezas que vamos colocar nossas inseguranças e dúvidas a serviço da criatividade. Através das configurações interiores ordenadas pela forma na dialética do processo criativo obteremos novas possibilidades para o trabalho de design.

Bibliografia

CAMPANA, Fernando e Humberto. Campanas. São Paulo: Bookmark, 2003.

NACCACHE, Andréa. Criatividade Brasileira. Gastronomia, Design e moda. São Paulo: Editora Manole Ltda, 2013.

OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processo de Criação. Petrópolis: Editora Vozes, 2004.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

TEXTO PARA O ENCONTRO 01

A persistência da memória (1931), de Salvador Dalí.
 

Um costurar entre o sujeito, o criar e o mundo contemporâneo. 


"..O veneno do vazio nos mata pela indecisão,

 ou nos ressussita pela criatividade de solução."

Valéria Domanski de Medeiros

Por Daniele Spada 

O vazio no começo de qualquer trabalho que envolve nossa capacidade criativa nos assusta, para ser mais assertiva, nos apavora. Gera dúvidas que não conseguimos digerir e nos paralisa. Acreditamos que não temos nada dentro de nós, um branco, um hiato, e o mundo contemporâneo nos leva à uma caixa de pandora, a internet. Nela acreditamos encontrar algo para por no vazio e por mais que naveguemos e nos surpreendamos com milhares de possibilidades de soluções, o vazio ainda está ali. Como entrar nessa roda da morte: A criatividade?

A criação nunca é uma questão somente externa, é questão do sujeito.

“Consideramos a criatividade um potencial inerente ao homem, e a realização desse potencial uma de suas necessidades... O criar só pode ser visto num sentido global, como um agir integrado em um viver humano. De fato, criar e viver se interligam.” (OSTROWER, 2004, pág. 5.)

O fato do homem desde a Pré-História desejar se expressar criativamente, não se restringe às pinturas rupestres, mas em sua totalidade, no seu modo de solucionar problemas e conflitos entre sua existência e o meio que estava inserido. Entre o homem e o meio. Inserido na cultura.

Outra ideia é a de que criar corresponde a um formar, um dar forma a alguma coisa...no próprio modo de se estabelecerem certas relações mediante as quais vai surgir para nós o sentido da forma, dos limites e do equilíbrio, o fator cultural valorativo atua sobre as configurações individuais; sendo assim o impacto da contemporaneidade tem influenciado bruscamente o nosso ato de formar e fazer. A aceleração é tão forte e tão generalizada que até mesmo os mais "ligados" encontram-se, em graus diversos, ultrapassados pela mudança (Lévy,1999) e é neste ponto que a inteligência coletiva se faz necessária no ato de criar, através das trocas de ideias, experiências e observações que possibilitam amenizar os conflitos advindos do movimento tecnossocial. Hoje, quando nos vemos em qualquer situação de dúvida, recorremos ao Google, seja na escrita, no significado ou no desconhecido. A crença que o saber está a disposição de qualquer um, a qualquer tempo por vezes nos acomoda e o trabalho é substituído por um compilar virtual. A união de partes existentes para criar um novo todo organizado é da ordem da criatividade, mas o se acomodar com tal "técnica" retira de nós a espontaneidade e liberdade no processo criativo, entendendo a espontaneidade como ser coerente consigo mesmo.

Admite-se que nesse tempo, o criar esteja sendo reprimido, manipulado, massificado, enrijecido. O homem contemporâneo, colocado diante de múltiplas funções que deve exercer, pressionado por múltiplas exigências, bombardeado por um fluxo ininterrupto de informações contraditórias, em aceleração crescente que quase ultrapassa o ritmo orgânico de sua vida, em vez de se integrar como sujeito inserido na cultura, aliena-se de si, de seu trabalho e de suas possibilidades de criar. (OSTROWER, 2004).

Em seus sonhos encontra a liberdade que deixa de lado no dia-a-dia. Neles, o inconsciente tem liberdade de produzir imagens, mesmo que inversas, contraditórias e enigmáticas. As imagens parecem flutuar, não temos domínio sobre elas, vão tecendo histórias que muitas vezes nos surpreendem pela sua complexidade e falta de lógica, assim deveria ser nosso processo criativo, dando espaço ao "acaso". 

No sonho, não há domínio ou censura para que essas imagens possam dançar livremente em um magnífico ato criativo do inconsciente.  A censura, então, com a intensão de evitar o desprazer, decidirá se uma ideia surgida na mente pode ou não chegar a consciência.  Estabelecendo um paralelo entre a censura e as críticas e julgamentos durante o processo criativo, entendemos que tais procedimentos atrapalham o fluir do ato de criar.  

O processo criativo vai fazer uso da ‘memória psíquica’. Em nossa experiência vivencial estruturam-se configurações de vida interior, formas psíquicas, que surgem em determinados momentos e sob determinadas condições, e são lembradas, 'percebidas' em configurações.

Pelos processos ordenadores da memória, articulam-se limites entre o que vaza de um lembrar psíquico, o que lembramos dos fatos, o que pensamos, imaginamos e a infinidade de incidentes que passam pela nossa vida.

Nossa memória seria, portanto uma memória não-factual. Seria uma memória de vida vivida, com novas interligações e configurações aberta às associações (Ostrower, 2004).

Na era tecnológica, as memórias das máquinas, têm evoluído sempre em direção a uma maior capacidade de armazenamento, maior rapidez de acesso e confiabilidade a fim de não perdermos dados importantes, armazenamos em suportes de gravação e leitura automáticas dados que queremos guardar e compartilhar por meio da transmissão de informações por todas as vias de comunicação imagináveis (Lévy,1999), mas esta serve apenas como local para guardar informações, distante do conceito de memória do homem que interliga o ontem ao amanhã e que além de renovar um conteúdo anterior, a cada instante relembrado constitui uma situação nova e específica. Não guardamos dados, nós os reconstituímos.

E qual o papel da memória no processo criativo? Fugir da alienação de si e recolher das experiências anteriores a lembrança de resultados obtidos, que orientará possíveis ações no processo criativo. As intensões que se estruturam junto com a memória nem sempre serão conscientes, fazem-se conhecer no curso das ações como uma espécie de guia aceitando ou rejeitando certas opções e sugestões contidas no ambiente dependendo de escolhas que se farão inconscientemente.

As associações provindas de áreas inconscientes do nosso ser, compõem a essência de nosso mundo imaginativo. Espontâneas, elas afluem em nossa mente com uma velocidade extraordinária, e se não forem cerceadas por uma barreira da crítica ou da censura, geram um mundo experimental, mágico, de um pensar e agir em hipóteses - do que seria possível, nem sempre provável. Num instante podemos manipular fatos, eventos, pessoas, objetos, sem que eles existam fisicamente, apenas na esfera mental da criação. Assim como no mundo virtual, onde as imagens, textos, músicas, são manipuladas e se encontram num tempo do possível como o real, só lhe faltando existência.

As associações são extremamente importantes nesse processo, onde necessitamos sair do lugar comum, suspender nossas certezas para que um novo re-conhecimento nos motive à novas indagações, novas estruturações para um novo recomeço, nesse processo dinâmico do ato de criar. 

Nossos olhos brilham no momento que apreendemos-ordenamos-reestruturamos-interpretamos a um tempo só, ou seja, temos um insight.

A ideia, o processo, as desconexões, tudo parece fazer sentido e o processo criativo passa a ficar mais claro e menos doloroso, as incertezas vão dando espaço ao querer não ter certezas, e as dúvidas passam a ser as melhores aliadas nessa jornada de experimentações.

Damos espaço para trocas de informações e permitimos novos olhares sobre o que estamos elaborando, propiciando um pensar coletivo. Neste ponto as pesquisas na internet, já não mais nos orientam, pois nossa ordenação interior pulsa e exerce sobre nós uma força maior e conseguimos usar o espaço virtual não como uma base sólida de resultados, mas como uma plataforma de possibilidades e divergências que nos fazem questionar e nos recolher novamente, para de lá emergir um impulso criador.

A cobrança com o resultado dá espaço ao prazer na elaboração, o imediatismo do mundo contemporâneo é deixado de lado, não sabemos quanto poderá durar nem onde chegaremos, e somente trabalhando, a necessidade de novas buscas se tornam emergentes e sentimos que o momento final do trabalho se aproxima.

O sujeito do processo criativo detém o saber sobre a hora de finalizar o trabalho no instante em que a resolução reflete seu equilíbrio interno. Isto não quer dizer que o trabalho esteja finalizado no sentido de estar resolvido, ainda podem perdurar perguntas que não se esgotarão apenas nessa etapa do processo.

Uma nova caminhada se inicia, e com ela questões remanescentes dessa etapa se unirão às novas necessidades de um estado de tensão, de uma orientação interior, que não conhecemos.

Um caminho de experimentações e vivências onde tudo se mistura e se integra. O "pisar em ovos" torna-se divertido e só encontrando, saberá o que buscou. Criar livremente, compreender no sentido mais lúcido e amplo o que é ser livre: Ter entendimento de si, uma aceitação de si, ocupar seu espaço de vida.

É nesta hora que o vazio se torna nosso aliado, e nas tentativas de preenchê-lo é que se configura o processo criativo. Ele vai estar sempre lá nos impulsionando, nos movimentando, porque esse desejo de completude nunca será satisfeito.

 

Texto elaborado a partir do livro Criatividade e Processos de Criação da Fayga Ostrower, num costurar entre o sujeito, o criar e o mundo contemporâneo.

 

Bibliografia 

 

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34,1999.

LÉVY, Pierre. O que é virtual?. São Paulo: Editora 34,2009.

LONGO, Leila. Linguagem e psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

OSTROWER, Fayga . Criatividade e processos de criação. Rio de Janeiro: Editora Vozes,  2004.